domingo, 3 de junho de 2012


A Chegada dos Cristãos-Novos e Marranos ao Brasil

Por Marcelo M. Guimarães

Na própria expedição de Pedro Álvares Cabral já aparecem alguns judeus, dentre eles, Gaspar Lemos, (seu nome antes da conversão era Elias Lipner),Capitão-mor, que gozava de grande prestígio com o Rei D. Manuel. Podemos imaginar que tamanha alegria regressou Gaspar Lemos a Portugal, levando consigo esta boa nova: - descobria-se um paraíso, uma terra cheia de rios e montanhas, fauna e flora jamais vistos. Teria pensado consigo: não seria ela uma “terra escolhida” para meus irmãos hebreus? Esta imaginação começou a tornar-se realidade quando o judeu Fernando de Noronha, primeiro arrendatário do Brasil, demanda trazer um grande número de mão de obra para explorar seiscentas milhas da costa, construindo e guarnecendo fortalezas na obrigação de pagar uma taxa de arrendamento à coroa portuguesa a partir do terceiro ano. Assim, milhares e milhares de judeus fugindo da chamada “Santa Inquisição” e das perseguições do “Santo Ofício” de Roma, começaram a colonizar este país.

Afinal, os judeus ibéricos, como qualquer outro judeu da diáspora, procuravam um lugar tranqüilo e seguro para ali se estabelecer, trabalhar, e criar sua família dignamente.

É interessante notar os sobrenomes dos capitães da Armada de Pedro Álvares Cabral:

Pedro ÁLVARES Cabral

Pedro de ATAÍDE

Nuno Leitão da CUNHA

Sancho de TOVAR

Simão de MIRANDA

Nicolau COELHO

Bartolomeu DIAS

Luiz PIRES

Aires GOMES DA SILVA

Simão de PINHA

Diogo DIAS

Gaspar LEMOS

Vasco de ATAÍDE

Uma observação importante é que dos treze sobrenomes citados acima, onze foram adotados pelos cristãos-novos. Seria isto uma coincidência? Ou uma clara evidência de fuga daqueles que aproveitaram a situação para deixarem Portugal, fugindo das regras inquisitórias?

FERNANDO DE NORONHA

Em maio de de 1501, um ano depois do descobrimento, o Rei de Portugal mandou um expedição composta de três embarcações para a terra recém-descoberta, com o propósito de determinar e avaliar a qualidade e a extensão do novo território. O comandante desta expedição foi o florentino Américo Vespucci, que desembarcou no Cais de São Roque.

A Bahia foi descoberta em 1º de novembro de 1501; o Rio de Janeiro em 1º de janeiro de 1502. Relatou Américo Vespucci que o Brasil não possuía metais, pedras preciosas, excetuando-se o “o pau-brasil” e papagaios. Esta informação para D. Manuel deu um duro golpe de desesperança, pois o mesmo estava atrás de especiarias, ouro e prata para o reino. Assim, ele resolveu arrendar o Brasil a homens de negócios, que arriscariam o seu próprio dinheiro na colonização e exploração da nova terra. Ninguém sabe ao certo se Américo Vespucci, amigos dos judeus portugueses ou não, transmitiu ao Rei D. Manuel informações corretas sobre a descoberta da nova terra. Mas, uma coisa pode-se comprovar, havia nesta época muitos judeus ricos e “amigos” do Rei de Portugal.

A primeira concessão foi obtida por um consórcio, ou associação, de cristãos-novos, encabeçado por Fernando de Loronha, citado nos documentos italianos como Firnando dalla Rogna, mais tarde, Noronha, adotou nome de seus padrinhos de batismo.

Durante o primeiro ano, os bens exportado do Brasil eram isentos de taxas; mas no segundo e no terceiro ano, o comércio pagaria à Coroa Portuguesa , respectivamente, 1/6 e ¼ do valor dos bens. Para D. Manuel foi um ótimo negócio. Fernando de Noronha realizou várias expedições para o Brasil, e como gozava de prestígio na Corte Portuguesa, dava-se preferências aos judeus cristãos-novos, principalmente, para aqueles que tinham dinheiro e participavam do consórcio ou mesmo, aqueles mais pobres que viriam para dar sua mão-de-obra. Seja como for, era uma excelente saída para escapar de Portugal e se livrar de perseguições inquisitórias.

O informe de Lunardo revela que o grupo de Noronha foi o pioneiro da indústria de exportação de madeira brasileira, do que auferiu um lucro líquido anual cerca de cinquenta mil ducados. A madeira foi a primeira grande indústria do Brasil.

A INTRODUÇÃO DA INDÚSTRIA DA CANA DE AÇÚCAR


Não há dúvida de que o grupo de Noronha introduziu no Brasil a cana de açúcar proveniente da Ilha da madeira e São Tomé. Em 1516, a Coroa Portuguesa julgou necessária a construção de engenhos de açúcar; a colonização do Brasil se transformava em indústria lucrativa. No mesmo ano D. Manuel mandou estabelecer no Brasil o primeiro engenho. Muitos judeus se tornaram senhores de engenho em Pernambuco.


Um documento datado de 1779, a mais antiga fonte de referência relativa ao transplante da cana-de-açúcar pelos judeus para as terras do Brasil. Dom Antônio de Capmany de Montpalau, membro da Academia Real de História e Letras de Sevilha, escrevia a respeito do açúcar:...” Este último produto, originário da Ásia, só era usado como remédio até a época da sua introdução e cultivo na América, para onde o levaram, da ilha de madeira, por alguns judeus proscritos de Portugal.”


De 1503 a 1530 milhares de “cristãos-novos” vieram para o Brasil auxiliar na colonização. Mas, a alegria do descobrimento não durou muito, pois em 1531, Portugal obteve de Roma a indicação de um Inquisidor Oficial para o Reino, e em 1540, Lisboa promulgou seu primeiro Auto-de-fé. Daí em diante o Brasil passou a ser terra de exílio, para onde eram transportados todos os réus de crimes comuns, bem como judaizantes, ou seja, aqueles que se diziam aparentemente cristãos-novos, porém, continuavam em secreto a professar a fé judaica. (cripto-judeus).  De uma simples terra de exílio a situação evoluiu e o Brasil passou a ser visto como colônia. Em 1591 um oficial da Inquisição era designado para a Bahia, então capital do Brasil. Não demorou muito, já em 1624, a Santa Inquisição de Lisboa processava pela primeira vez contra 25 judeus brasileiros (os nomes abaixo foram extraídos dos arquivos da Inquisição da Torre do Tombo, em Lisboa).


Os nomes dos judaizantes e os números dos seus respectivos dossiês foram extraídos do Livro: “Os Judeus no Brasil Colonial” de Arnold Wiznitzer – página 35 – Pioneira Editora da Universidade de São Paulo, gostaria apenas de citar alguns nomes destes judeus brasileiros que foram processados, julgados e condenados:

LISTA DOS PRIMEIROS 25 JUDEUS BRASILEIROS PROCESSADOS PELA CORTE PORTUGUESA

(As minutas dos processos da Santa Inquisição em Lisboa contra vinte e cinco judaizantes brasileiros processados antes de 1624, foram muito bem conservadas (e são bem legíveis) nos arquivos da Inquisição - Torre de Tombo - Lisboa);

              NOMES                       DOSSIÊS

·        Alcoforada, Ana                     (1166)

·        Antunes, Heitor                     (4309)

·        Antunes, Beatriz                   (1276)

·        Costa, Ana da                      (11116)

·        Costa, Brites da                   (11116)

·        Dias, Manoel Espinosa         (3508)

·         Duarte, Paula                      (3299)

·        Gonçalves, Diogo Laso          (1273)

·        Favella, Catarina                   (2304)

·        Fernandes, Beatriz                (4580)

·        Fontes, Diogo                       (3299)

·        Franco, Lopez Matheus         (3504)

·        Lopez, Diogo                        (4503)

·        Lopez, Guiomar                    (1273)

·        Maia, Salvador da                 (3216)

·        Mendes, Henrique                 (4305)

·        Miranda, Antônio Felix de      (5002)

·        Nunes, João                         (12464)

·        Rois, Ana                             (12142)

·        Souza, João Pereira de         (16902)

·        Souza, Beatriz de                 (4273)

·        Teixeira, Bento                   (5206)

·        Teixeira, Diogo                   (57204)

·        Ulhoa, André Lopes              (5391)

Todos esses judeus brasileiros, cujos sobrenomes estão citados acima, foram julgados e condenados pela Inquisição de Lisboa, sendo que alguns foram deportados para Portugal e queimados, como por exemplo o judeu Antônio Felix de Miranda, que foi o primeiro judeu a ser deportado do Brasil Colônia. Outros foram condenados a cárcere e hábito perpétuo.

(É importante ressaltar que não podemos afirmar que todo brasileiro, cujo sobrenome constante desta lista acima seja necessariamente descendente direto de judeus portugueses).

Quando os judeus aqui chegavam, desembarcavam na maioria das vezes na Bahia, por ser naquela época o principal porto. Acompanhando a história dessas famílias, nota-se que grande parte delas se dirigia em direção ao norte como Pernambuco e outros estados do nordeste. No início do domínio holandês no nordeste no século XVII, muitos judeus portugueses que haviam ido para Holanda vieram para o nordeste brasileiro. E com o término  do domínio holandês muitos destes judeus vieram para o sul, principalmente, para Minas Gerais, atraídos pelo ciclo do ouro e das pedras preciosas. Outra boa parte foi para América do Norte, estabelecendo lá cidades como a Nova-Amsterdam, mais tarde conhecida como Nova York. Outra pequena parte voltou para Holanda. Esses estados foram bastante influenciados por uma série de costumes judaicos, que numa outra oportunidade gostaríamos de abordar. Mas, falando um pouquinho do jeito mineiro, aquele indivíduo moreno-claro, cabelos negros, de baixa estatura, testa curta, cara alongada e nariz pontiagudo, destacando a habilidade no comércio, ganancioso por um bom negócio, além do estereótipo sorrateiro, desconfiado, trabalhando calado e na sua crença, tendo o apelido de “pão duro”, são exemplos de algumas características até hoje povo hebreu.

Agora, o que pouca gente sabe é que a Inquisição tanto em Portugal como no Brasil durou mais de 3 séculos, ou seja, o maior período se comparado com outros países. O término desta perseguição ocorreu oficialmente no dia 31 de março de 1821. Mas, sabemos que até nos dias de hoje encontram-se resquícios desta rejeição.


CRISTÃOS-NOVOS
A odisséia dos marranos 
segundo Hélio Daniel Cordeiro
ROBERTO NONATO

No. 011 - Março/1998

        Entrevista concedida por Hélio Daniel Cordeiro à Rádio CBN - Central Brasileira de Notícia.
        Desde quando você pesquisa sobre os marranos brasileiros?
        Eu comecei a trabalhar esse tema a partir de 1990, dado ao insistente número de pessoas que me procuravam, fosse pessoalmente, ou através de cartas e telefonemas, buscando informações sobre suas possíveis origens judaicas.
        Comecei a receber, também, regularmente, através do Consulado de Israel, Federação Israelita do Estado de São Paulo, Congregação Israelita Paulista e outras entidades judias, várias correspondências de todas as partes do Brasil, e até do Exterior, de pessoas buscando informações sobre genealogia, história e religião judaica.
        Foi quando decidi aprimorar a divulgação do assunto, para oferecer respostas mais completas aos milhares de interessados que me contatavam.
        Desde quando existem marranos no Brasil?
        Isso tem pelo menos 500 anos. Tudo começou com a expulsão dos judeus da Espanha em 1492, antes ainda do Descobrimento do Brasil. 1492 é um ano que coincide (sem ser exatamente uma coincidência, por paradoxal que seja) com a Descoberta da América. O que se sabe hoje (e há muito ainda por ser desvendado) é a grande presença de pessoas de origem judaica na frota do descobridor Cristóvão Colombo e, posteriormente, na frota de Pedro Álvares Cabral.
        Qual foi a participação dos judeus na Descoberta da América?
        É evidente o fato da participação judaica, num primeiro plano, e de judaizantes (judeus ocultos), num segundo momento, que atuaram em campos da astronomia e no financiamento das expedições marítimas para o Novo Mundo.
        O termo "marrano" ainda é usado?
        Sim, o termo "marrano" ainda é usado até hoje. Há uma grande controvérsia sobre sua origem e significado. Eu em particular (juntamente com uma linha de pesquisadores), entendo que o termo "marrano" é originário da palavra hebraica anussim, ou seja, "conversos forçados". É exatamente o caso daqueles judeus que tiveram de abandonar o judaísmo, ao menos formalmente, e passar a aparentar uma vida pública como católicos.
        Como você tomou contato com o rabino reformista Jacques Cukierkorn?
        O rabino Jacques Cukierkorn é brasileiro, fez a faculdade rabínica nos Estados Unidos e ali vive e trabalha como líder espiritual de uma sinagoga.
        Eu tenho contato com o Cukierkorn desde o início dos anos 90, justamente quando ele preparava uma dissertação rabínica nos Estados Unidos. Foi quando ele voltou ao Brasil para levantar informações para sua tese e solicitou minha ajuda para seu projeto.
        Desde então, nosso intercâmbio é regular justamente pelo seu interesse no assunto e por eu estar inserido, vamos dizer assim, no campo fértil que é o Brasil, onde estão os marranos buscando descobrir suas raízes.
        A que se deveu a recente visita do rabino Cukierkorn e do professor James Ross ao Brasil?
Como normalmente acontece, uma coisa leva à outra. Cukierkorn teve contato com este pesquisador estadunidense, James Ross, que foi contratado pela tradicional editora anglo-americana Penguin Books, justamente para levantar informações no Brasil para a edição de um livro sobre grupos judaicos ao redor do mundo, livro este que já está com o contrato assinado.
Ross e Cukierkorn passaram por São Paulo, ocasião em que lhes forneci uma série de informações de vivência pessoal e de arquivo sobre os marranos brasileiros. Eles depois seguiram para Recife, Natal e Manaus.
        Qual foi a participação dos cristãos-novos na história do Brasil?
        A participação dos cristãos-novos, ou judaizantes, foi muito importante em toda a história brasileira.
        - O tradutor da frota de Cabral era um converso, Gaspar da Gama.
        - Grande número de bandeirandes, aqueles corajosos desbravadores das selvas brasileiras, era constituída por elementos claramente cristãos-novos. João Ramalho fundou o primeiro município do Brasil, São Vicente, em 1532.
        - O padre José de Anchieta, poeta e fundador da cidade de São Paulo (1554) era filho de mãe judia, logo, pela Halachá (o código das leis judaicas), pode ser também considerado judeu.
        - Jorge Fernandes é considerado o primeiro médico a atuar no Brasil. Chegou junto com o segundo governador-geral, Duarte da Costa.
        - No final do século XVI e início do XVII, um dos primeiros autores sobre as terras brasileiras foi Ambrósio Fernandes Brandão, cristão-novo autor da célebre Diálogos das Grandezas do Brasil (c.1618).
        - Mais ou menos na mesma época apareceu outro poeta marrano, Bento Teixeira, autor da clássica Prosopopéia.
        - Diogo Fernandes foi o maior técnico em cana-de-açúcar do período colonial.
        - A segunda metade do século XVII viu aparecer em Recife a primeira comunidade judaica organizada do Novo Mundo, sob a liderança religiosa do rabino Isaac Aboab da Fonseca.
        - Estou inclinado a crer (e há outros estudiosos também) que o padre Antônio Vieira era de origem cristã-nova.
        - No século XVIII viveu no Rio de Janeiro o primeiro dramaturgo brasileiro, Antônio José da Silva, queimado pela Inquisição em Lisboa por práticas judaizantes. Sua vida foi tema do premiado filme de Jom Tob Azulay, O Judeu.
        - No final do século XIX outra figura importante de origem marrana foi Deodoro da Fonseca, o presidente que inaugurou a República no País.
        - No século XX, são conhecidas as origens e afinidades marrânicas do cineasta Glauber Rocha, do pedagogo Anísio Teixeira, dos cantores Elis Regina e Alceu Valença, dentre outras figuras artísticas e públicas.
        Além de origem genealógica judaica, todas estas pessoas vão além porque existe nelas uma identidade de mentalidade, com aspectos miscigenados de judaísmo, catolicismo, protestantismo e agnosticismo.
        Como tem sido a divulgação destas pesquisas?
        O interesse pelo tema dos judeus na formação do Brasil tende a crescer de uma forma mais intensa nos próximos anos, em virtude das comemorações dos 500 anos do Descobrimento.
        Ainda existe muita coisa por ser pesquisada, mas já recolhi bastante material inédito, que está sendo trabalhado e que será divulgado ao grande público brevemente, não apenas à sociedade brasileira, mas para pesquisadores de todo o mundo.

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